22 DE ABRIL DE 2019

“Cooperação jurídica entre Brasil e Portugal nunca foi tão intensa”

22 DE ABRIL DE 2019

“Cooperação jurídica entre Brasil e Portugal nunca foi tão intensa”

Segundo Carlos Blanco de Morais, Justiça e Segurança constituem fins e tarefas fundamentais do Estado e, no Brasil, integram um dos pontos programáticos mais fortes da política pública do atual Executivo, porque correspondem a uma área marcada por deficits críticos, mas também por notáveis avanços que tiveram efeitos tectônicos no País.

Ainda de acordo com o coordenador científico do VII Fórum Jurídico de Lisboa, estes foram grandes motivadores para que o tema Justiça e Segurança fosse escolhido como mote do Fórum, encontro realizado na capital portuguesa que reúne representantes do Judiciário, Legislativo e Executivo do Brasil e de Portugal. O Fórum, avalia Blanco, tem o papel crucial de fortalecer relações entre os dois países, a despeito de circunstâncias políticas e econômicas.

“Brasil e Portugal nunca atingiram como hoje um grau tão intenso de cooperação jurídica. O Direito tem sido uma das pontes estratégicas de contato e uma via rápida de partilhas e conhecimentos recíprocos, sem precedente em décadas passadas”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual a relevância para ambos os países de o Fórum Jurídico de Lisboa ser fruto de uma parceria entre Brasil e Portugal?

Brasil e Portugal nunca atingiram como hoje um grau tão intenso de cooperação jurídica. O Direito tem sido uma das pontes estratégicas de contato e uma via rápida de partilhas e conhecimentos recíprocos, sem precedente em décadas passadas. O Fórum de Lisboa, que se realiza com enorme êxito pelo sétimo ano consecutivo, é o símbolo mais emblemático dessa cooperação já que, pelo caráter atual e aliciante dos temas escolhidos junta, a par de grandes juristas, algumas das máximas figuras do Judiciário, Legislativo e Executivo dos dois Estados.

A circunstância de o Presidente da República português, um catedrático referencial do Direito Público nacional e Professor da Faculdade de direito de Lisboa, abrir ou encerrar, em regra, estes encontros, demonstra o impacto acadêmico e institucional desta iniciativa. Pessoas das mais diversas sensibilidades jurídicas e políticas discutem livremente problemas jurídicos, institucionais e econômicos da atualidade, criando laços duradouros e a vontade de voltar sempre, com novas ideias, desafios e muitas provocações.

Independentemente de existir um maior ou menor incremento nas relações econômicas ou uma maior aproximação ou maior frieza nas relações diplomáticas entre os dois Estados-irmãos, no fundo realidades conjunturais que vão e vêm, o Fórum subsiste como iniciativa permanente, atua com visão de longo prazo, move-se em águas profundas e tem o objetivo de cimentar uma comunhão de pertença entre os dois povos e de colaboração entre os intelectuais do direito, trabalhando com realidades concretas.

Como o senhor avalia a evolução do encontro ao longo dos últimos sete anos?

Os sete encontros sucederam a Seminários de direito Constitucional que em anos anteriores foram realizados anualmente e de forma pioneira, por dois grandes vultos do Direito Constitucional Luso-Brasileiro, o Professor Jorge Miranda e o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, entretanto, se aposentaram, embora continuem a participar nos atuais eventos.

Os Fóruns Luso-Brasileiros, que começaram como Congressos, resultaram de uma parceria acadêmica e de uma amizade pessoal entre mim, como catedrático da Faculdade de Direito e o Ministro Gilmar Mendes, Professor fundador do IDP, tendo-se depois juntado a Fundação Getulio Vargas que potenciou um notório aumento de escala na relevância científica dos encontros.

Tanto a Faculdade de Direito de Lisboa como o IDP e a FGV, sempre estimularam a troca de pontos de vista diferentes entre os participantes, o debate elevado entre posições contrárias, o enfrentamento de temas polêmicos e a escolha de domínio de pesquisa conjunta com atualidade prática e uma visão de futuro. No final de cada Fórum são publicadas as intervenções dos diversos oradores.

Neste ano, temos muitos temas atuais e interessantes para abordar e um conjunto de oradores, portugueses, brasileiros, espanhóis e alemães de primeira linha. Por outro lado, estamos muito animados com os projetos de pesquisa conjuntos que o workshop sobre Democracia e Redes Sociais irá desenvolver, no âmbito do projeto internacional ‘Governance 4.0’, de que a FGV é uma forte dinamizadora.

Justiça e Segurança são o mote dos debates em Lisboa neste ano. O que motivou a escolha destes temas, especialmente neste ano?

Justiça e Segurança constituem fins e tarefas fundamentais do Estado e, no Brasil, integram um dos pontos programáticos mais fortes da política pública do atual Executivo, porque correspondem a uma área marcada por déficits críticos, mas também por notáveis avanços que tiveram efeitos tectônicos no País, como a Operação Lava-Jato. Ora, na minha opinião, que melhor orador para abordar as linhas de força dessa mesma política do que o Ministro Sérgio Moro, um amigo de Portugal e da nossa Faculdade, e que falará como orador principal do primeiro dia?

Por seu turno, a reforma da Previdência, tida lucidamente pelo atual Executivo como a política pública mais decisiva do tempo presente e chave da abóbada da sustentabilidade financeira da União, terá um importante painel de debatedores, encabeçado, como orador principal, por um dos seus artífices, o Secretário Especial da Previdência Social Rogério Marinho.

Temas muito atuais como a Segurança, a Crise Penitenciária, a reforma tributária, as reformas na área penal e processual penal e o ativismo judicial serão debatidos por oradores brasileiros e também portugueses de grande referência, numa agenda inusitadamente carregada. Teremos no final, um estimulante debate sobre relações entre os poderes, com a Presença de políticos de diversas tendências políticas, como o Presidente Alcolumbre, os senadores Anastasia e Jaques Wagner e o Governador Ibaneis Rocha. O Ministro dos Negócios Estrangeiros Português prestigiará o evento, fazendo a palestra de encerramento.

Que frutos, em termos de aprimoramento das instituições e políticas públicas, o VII Fórum Jurídico de Lisboa pode trazer para o Brasil e para Portugal?

Tudo dependerá do teor das intervenções e debates. À distância, os conferencistas falam mais livremente e debatem menos crispadamente, já que o ambiente é propício a uma abordagem mais aprofundada, mais técnica e mais centrada em políticas de fundo do que na espuma partidária.

No presente ano só o último painel debaterá reformas institucionais, sobejamente discutidas em fóruns anteriores, onde a crítica do Presidencialismo de Coalizão e a migração para o semipresidencialismo foi muito dissecada.

Este ano falar-se-á mais de grandes políticas públicas em áreas de interesse para os dois Países: Justiça, Segurança, Previdência, Sistema Penal, sistema penitenciário e sistema tributário. Julgo que nós, portugueses, aprenderemos mais este ano com as propostas que fluem no novo ciclo político brasileiro sobre estes temas.

O fórum deste ano tratará de fake news e da regulação da informação no ciberespaço. Por que este tema entra na pauta do encontro neste ano?

Existe hoje um discurso muito crítico por parte dos profissionais da mídia às redes sociais. Por antítese a estas, os profissionais reclamam os seus pergaminhos aristocráticos de liberdade, isenção, rigor e transmissão de conteúdos formativos, sublinhando que sem uma mídia livre não existiria uma sociedade livre. Seria, pois, na sua opinião, um risco para a sociedade livre que a informação transite das mãos dos profissionais para as redes desiformadoras e robotizáveis do ciberespaço.

A defesa da imprensa profissional, deve ser feita, pese que fora da lógica corporativa de um suposto monopólio da verdade que nunca, em bom rigor, existiu. A mídia profissional teve o exclusivo de orientar opiniões e formar consciências, tendo agora de partilhar essa tarefa com concorrentes informais nas redes, onde impera a incontrolabilidade. Tendo de sobreviver, com pesados encargos salariais, oscilações de tiragem ou de audiências, a mídia confronta-se com veículos informativos de baixo custo onde um número elevado de cidadãos recolhe a informação, mormente a partir do Facebook ou do WhatsApp.

Quais as consequências dessas transformações em curso?

Neste pluralismo difuso em rede, a liberdade democrática leva a que cada qual consuma as notícias que deseja e no formato que entende, tanto as fidedignas como torrentes de vídeos e lixo informativo, que os algoritmos indicam ser da sua preferência. Ora, a negação de cidadão renitentes e quiçá menos cultos em aceder a uma opinião diferente e mais esclarecida não pode ser suprida por um Big Brother estatal que censure essa escolha e lhes imponha o consumo das mídias politicamente corretas. Terminou o tempo em que a mídia dizia “nós decidimos o conteúdo, e vocês leem”.

Os profissionais da mídia têm uma maior exigência na filtragem de notícias e na acuidade dos conteúdos transmitidos do que as redes. Nas campanhas eleitorais, elencam até as fake news, o que é uma tarefa de relevância pública. Seria, contudo, um exagero erigi-los a guardiões da verdade e da isenção, respeitadores da privacidade e do bom nome ou imunes ao hate speach.

A vitória, para muitos controversa e imerecida, de candidatos populistas nos EUA e Brasil operada através da comunicação em rede, implicou não apenas a derrota dos seus adversários diretos e do establishment político, mas também da mídia profissional que tenazmente se lhe opôs. Trata-se de um case study que seguiremos no nosso workshop. Não basta, pois, dizer que sem a mídia profissional livre não há sociedade livre. Há que acrescentar que essa sociedade livre não existe sem mídia e sem liberdade nas redes.

O ciberespaço, pelo relevo político e securitário que assumiu não pode ser uma “terra sem lei”. No plano político e eleitoral, a facilidade com que se multiplicam notícias falsas, difamatórias ou violentistas e a forma como essa multiplicação impacta no eleitorado carece de um ponto de ordem em nome da qualidade da democracia. Como fazê-lo sem sacrificar o conteúdo essencial da liberdade de expressão é o desafio mais complexo e tem de ser obtido algures entre dois extremos: o do libertarismo e do proibicionismo censório.

O trollismo nas redes e em certa imprensa digital retira qualidade à democracia, mas a censura, direta ou através dos fornecedores privados de conteúdos no ciberespaço, ameaça a sua existência.

Trazemos, nesse workshop, oradores de excelência oriundos de universidades europeias, como Evgeny Morozov, Dan Vielsch, Vesting, Balaguer Callejón e Sofia Ranchordàs para debater o tema que se inscreve no projeto de pesquisa internacional “Redes Sociais e Democracia”. Teremos vários acadêmicos e jornalistas a participar como assistentes ou debatedores.